Há algum tempo, venho lendo e aprofundando meu conhecimento sobre viéses inconscientes e já estava decidida que esse seria o tema do meu próximo artigo. Apesar de já ter comentado brevemente sobre isso no meu texto sobre liderança inclusiva, dessa vez queria ampliar a abordagem sobre os tipos de viéses e listar estratégias para minimizá-los durante o processo de busca e entrevista de candidatos, algo de suma importância para garantir a entrada de um público mais diverso nas empresas. No entanto, se tornou impossível estar alienada ao assunto do momento (pelo menos nas minhas redes sociais) e decidi que dessa vez seria menos “educativa”, trazendo uma pauta de reflexão ao traçar um paralelo comparativo sobre o que está acontecendo no BBB21 com o que se desenvolve nas complexas relações organizacionais.
Confesso que não assisto o reality há pelo menos 10 anos, mas naturalmente acompanho os temas que fervilham dentro da casa e reverberam fora dela em forma de debates, revoltas, frustrações e militância. Machismo, assédio, racismo, lgbtfobia e cancelamento foram alguns dos temas que já vieram à tona em grande escala por conta do programa, uma vez que ele representa o espelho do comportamento corriqueiro que a sociedade pratica.
Assim que vi a lista dos participantes, fiquei muito feliz ao ver diversos representantes negros e LGBTs (apesar de apenas algumas letrinhas estarem representadas), provando que estamos evoluindo ao dar espaço de representatividade a grupos completamente discriminados e sem holofotes até pouco tempo atrás. Um movimento muito similar ao que vem acontecendo dentro das empresas através da busca e introdução de uma cultura organizacional diversa e inclusiva.
Nessa caminhada de evolução, pela primeira vez em 21 anos de BBB, presenciamos um beijo entre dois homens! Esse seria um momento histórico, épico, especial e cheio de esperança para a comunidade se o ato não fosse seguido por vários comportamentos preconceituosos, discriminatórios e intolerantes, inclusive por parte de pessoas LGBTs e negras. Um dos participantes envolvido no tão falado beijo não aguentou tanta pressão psicológica e preconceito e pediu pra sair. Infelizmente o Brasil mostrou sua cara.
Me deparar com esse tipo de comportamento resultante da complexidade das relações sociais dentro do programa me fez refletir sobre a vital importância de se criar e nutrir um ambiente e uma cultura genuinamente inclusiva no meio corporativo. As heranças escravocratas, machistas e heteronormativas impactam diretamente nossas relações sociais em todos os âmbitos, mas principalmente no trabalho o problema só se agravará se continuarmos mascarando as tensões ao se considerar que já existe harmonia na convivência entre todos os diversos grupos. Dessa forma, teremos sempre uma diversidade limitada e uma incongruência de representatividade (ou seja, o discurso não condiz com a prática).
No mundo corporativo, vemos inúmeras ações voltadas para aumentar a representatividade de determinados grupos: programas de liderança focados em mulheres, programas de estágio e trainees para pessoas pretas, cursos gratuitos de tecnologia para minorias, etc, e eu vibro ao ver todas elas! No entanto, esses grupos já demonstram que não estarão satisfeitos com medidas reparadoras pontuais e superficiais, que muitas vezes só mascaram ainda mais o preconceito e a desigualdade.
Isso quer dizer que é crucial e inegável a importância de preparar o terreno antes de promover iniciativas que atraiam públicos diversos para dentro das empresas. As bases para receber e acolher um profissional diverso têm de ser sólidas e garantir que não se exiga dele uma adaptação forçada a um ambiente muito diferente ou a uma realidade totalmente oposta. Se a transformação cultural não for bem trabalhada e se não se assumir uma postura vigilante para evitar comportamentos discriminatórios, não existirá base emocional e psicológica suficiente capaz de manter esse profissional por muito tempo na empresa. Assim como no BBB, ele não suportará e pedirá pra sair.
Portanto é extremamente necessário que o time e as lideranças que já fazem parte da empresa sejam treinados para garantir um ambiente inclusivo e acolhedor. Isso pode ser feito através de treinamentos sobre comunicação não-violenta, viéses inconscientes, conscientização sobre o contexto histórico e a compreensão da história das lutas de pessoas pretas, LGBTs, PCDs, mulheres, etc. Simultaneamente a isso, deve-se trabalhar na capacitação técnica do profissional recém contratado, garantir um programa interno de mentoria/coaching e, se possível, oferecer acompanhamento psicológico para garantir sua completa adaptação. As microagressões diárias, o mascaramento do preconceito e as sutilezas de opressão psicológica não podem ser toleradas e repreensões e punições devem ser estabelecidas para que esses comportamentos não se perpetuem.
As estratégias de diversidade e inclusão devem funcionar como um ecossistema. Tão importante quanto trabalhar nas estratégias de atração é garantir que a sua cultura esteja preparada para permitir a retenção desse profissional. Não podemos continuar aceitando a vitória da intolerância, seja no BBB, no mundo corporativo ou onde quer que seja!
– por Jaqueline Mandelli