Como as empresas lidam com a escassez de profissionais de TI

O mercado de tecnologias de informação e comunicação (TIC) no Brasil deve crescer 7% em 2021, mesmo sob o impacto da pandemia. A estimativa é da IDC Brasil e faz parte do estudo IDC Predictions, que antecipa as tendências e movimentos de mercado para os 110 países em que a empresa atua. Quando considerado apenas o mercado de TI, a previsão é de alta de 11% e, para telecom, um crescimento mais tímido, de 2%. No mercado corporativo, que contempla software, serviços e hardware, a previsão é de alta de 10%.

Nesse cenário, a falta de profissionais qualificados na área de tecnologia, que já era uma realidade no Brasil antes da pandemia, só vem ficando ainda mais evidente. “Hoje em dia, tecnologia se tornou algo inerente à existência de qualquer negócio. São poucas as empresas que não têm a necessidade de criar suas próprias equipes de tecnologia para implementação de estratégias digitais, o que somente foi acelerado com o surgimento da Covid-19”, comenta Felipe Avena, da consultoria de recrutamento Uni.co.

Hoje, qualquer empresa, sendo de tecnologia ou não, demanda profissionais de TI e, com isso, aumenta a disputa por eles. Em paralelo, não se vê um incremento considerável no número de profissionais entrando nesse mercado. É a demanda alta de um lado e, do outro, uma baixa oferta de gente qualificada.

Juntam-se a esse quadro, outros fatores, como elenca Avena:

  • Desvalorização cambial, que faz com que profissionais brasileiros se tornem mais atrativos para empresas do exterior, que remuneram seus colaboradores em outras moedas mais valorizadas que o real;
  • Crescimento de venture capital local com alto aporte de capital, tornando as startups mais capitalizadas e com ambições de crescimento exponenciais, gerando a necessidades de crescimento acelerado dos times.

Como as empresas lidam com a falta de gente qualificada em tecnologia

Bruna Maia, líder global de UX Research da Gympass, enxerga a falta de mão de obra capacitada em tecnologia na sua área. “Eu vejo que as empresas precisam de pessoas com experiência para começar suas áreas especializadas de tecnologia, então está todo mundo brigando por um bom líder de UX, de dados, de UX Research. Alguém que consiga estruturar o time e trazer resultados rápidos”, diz.

Mas Bruna faz um contraponto: “justamente por isso há poucas vagas para pessoas com pouca experiência, e aí o efeito bolha acontece”.

Da mesma forma que Avena pontua, Bruna comenta que a pressa do mercado não é compatível com o tempo de formação de pessoas capacitadas em tecnologia. “Algumas áreas, como engenharia de software, ainda contam com o privilégio de ter uma trilha de aprendizado já mais reconhecida e estruturada, e mesmo assim falta mão de obra capacitada perante o tamanho da demanda. Em áreas mais novas, nas quais a formação está sendo feita de maneira ‘mais livre’, o buraco é ainda mais em baixo.”

Para lidar com a escassez de profissionais, Bruna opta por manter uma equipe pequena de alta qualidade, “para estruturar os processos e ganhar a maturidade necessária para conseguir abraçar vagas de nível júnior em um futuro próximo”.

Segundo ela, outra forma de lidar com a situação é contratando temporários ou consultorias que oferecem profissionais com as “skills” pontuais necessárias para projetos específicos. “Percebemos que há muita gente boa com vasta experiēncia profissional, mas que acaba sendo muito especializado para entrar para uma posição generalista ou que, por vezes, prefere não entrar em um emprego mais tradicional mesmo”, comenta.

A diversidade também é levada em conta, “sempre procurando trazer mulheres e outros grupos sub-representados, porque um UX Research responsável e não enviesado só é possível com diversidade”.

Hoje, a equipe de UX Research da Gympass tem três contratados e mais um grupo de freelancers que varia de um a quatro dependendo do projeto, quando necessário.

Falta de profissionais leva a “seniorização” precoce

Gabriela Azevedo, product manager director da Gympass, também observa uma seniorização da função de product manager (PM) – assim como Bruna vê em UX. “Quando você junta o mercado sedento por PMs com PMs ainda recentes em suas funções, existe uma ‘seniorização’ antecipada de alguns profissionais, ao invés de abertura para formação dessas pessoas”, afirma. “O resultado é um PM ser contratado como sênior, pois o mercado quer gente sênior e espera que ele seja sênior no dia a dia, mas o profissional tem apenas três anos de experiência na profissão.”

Ela não vê, portanto, como uma falta de mão de obra capacitada, “pois esses profissionais são capacitados, mas ainda estão em formação”. “Talvez tenha que existir mais abertura das empresas para desenvolver essas pessoas e ajustar a expectativa sobre as entregas das mesmas no curto prazo”, diz.

Nesse sentido, Gabriela tenta levar para seu time as pessoas com as senioridades corretas. “Se eu precisar de um PM junior, não vou abrir uma vaga de PM sênior. Até porque isso evita frustração desses profissionais quando chegam para atuar no dia a dia”, afirma. “Além disso, eu gosto muito de trabalhar o desenvolvimento das pessoas, então fico satisfeita de poder contribuir para a formação de alguém.”

Gabriela ressalta que não é preciso ter feito um curso específico para virar Product Manager – profissionais que trabalham com metodologia ágil. “Por ser uma posição menos técnica, existem pessoas de diversos backgrounds, desde engenheiros de software até analistas financeiros, que decidiram mudar de carreira.” O PM é responsável por liderar times multidisciplinares por influência. O trabalho de Gabriela, por sua vez, é liderar diretamente os PMs.

Hoje, a Gympass tem três vagas de PM abertas com “report” direto para Gabriela. Há ainda mais dezenas de vagas abertas na equipe, entre product designers e desenvolvedores.

Poucos técnicos querem desenvolver habilidades de gestão

Avena comenta que os profissionais no Brasil, de forma geral, atendem as competências técnicas demandadas pelo ecossistema de tecnologia, mas existe um “gap” de profissionais que estão dispostos a desenvolver suas habilidades de gestão de pessoas para assumir e desenvolver seus times. “Dado esse desafio, existe uma certa dificuldade em encontrar gestores de pessoas habilidosos, que, ao mesmo tempo, consigam misturar discussões técnicas com desenvolvimento humano”, afirma.

Outro ponto, segundo o recrutador, é a escassez de perfis diversos dentro da área. “Cada vez mais empresas estão se preocupando em promover ambientes de trabalho com espaço para pessoas de diferentes culturas, gêneros e ideias, pelas razões óbvias e benéficas que a multicultura traz, porém dentro de tecnologia é ainda mais difícil promover diversidade.”

Em relação às competências comportamentais, Avena comenta ser importante:

  • Ter proatividade para construir projetos e processos do zero;
  • Saber atuar em ambiente colaborativo, onde as entregas do grupo são mais valorizadas do que as individuais;
  • Ter adaptabilidade a ambientes e atividades em constante mudança;
  • Dominar outros idiomas.

Atento ao “gap” de profissionais qualificados em TI, Matheus Goyas fundou, em 2019, a Trybe, escola que ensina a programar e dá a opção de o aluno pagar o curso apenas quando ingressar no mercado de trabalho.

Goyas comenta que estudos mostram que o déficit de profissionais de desenvolvimento deve aumentar em 70 mil por ano nos próximos cinco anos. O levantamento mais recente da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação aponta que a procura por profissionais na área, somente no Brasil, será de 420 mil pessoas até 2024. “Formamos 46 mil profissionais com perfil tecnológico por ano, sem entrar no mérito da qualidade dessas formações – a China forma milhões. É uma questão nítida de oferta e demanda, algo que pode parecer contraintuitivo em um país com índice de desemprego de 14,5%. O motivo por trás desses indicadores, ao meu ver, é uma escassez no acesso à educação de qualidade em tecnologia no Brasil. As habilidades exigidas por empresas mudam com velocidade e não são todos os cursos que mantêm relacionamentos próximos com o mercado de trabalho, ou que conseguem se atualizar segundo este com a agilidade necessária”, diz o empreendedor.

Na Trybe, 96% dos alunos estão trabalhando em até três meses após a formatura, um reflexo claro da demanda do mercado por profissionais de tecnologia e também da alta qualidade da formação ofertada pela escola. “Temos um processo seletivo levado a sério, que contempla e testa as ambições pessoais de quem quer estudar conosco. Nossa formação é exigente, são 1.500 horas por ano no mínimo, seis horas de aula por dia. Temos teoria e prática andando lado a lado em nossa grade curricular, com aulas online e ao vivo. As empresas parceiras nos guiam quanto ao que devemos priorizar no ensino, para que quem estuda conosco prepare-se para o mercado de trabalho”, explica Goyas.

Até hoje, mais de 100 mil pessoas se inscreveram para participar dos cursos da Trybe. Goyas diz que a escola finalizou 2020 com cerca de 700 estudantes. “Em 2021, já temos mais de 1.400 e projetamos chegar a 3.000 até o fim do ano.” 

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