Muito se diz sobre humanizar processos, atendimentos, serviços… e até mesmo humanizar desligamentos. É isso mesmo, há quem diga que o “desligamento” — vulgo demissão — de um colaborador da empresa, pode ser um desligamento humanizado.
Será mesmo?
Caso de desligamento humanizado anunciado por uma HRTech
Recentemente uma polêmica em torno desse tema vem sendo discutida nas comunidades de RH devido a um anúncio feito por uma HRTech que alegou ter feito uma redução de quadro — vulgo layoff — de forma humanizada, devido ao foco ter sido eficiência e sinergia dos times, e não redução de custos, e também devido aos pacotes de benefícios diferenciados que foram proporcionados aos “desligados”.
Quando leio histórias assim, a sensação que me dá é que a forma que ocorreu o desligamento foi, na melhor das hipóteses, uma tentativa da empresa ser responsável com as pessoas, mas não necessariamente algo humanizado. Digo responsável porque precisamos lembrar que, quando contratamos uma pessoa, mexemos na vida dela, nos planos dela, nas decisões dela, na gestão financeira dela, na qualidade de vida dela, e por aí vai… portanto quando eu decido demitir esta pessoa, me parece que oferecer um pacote a mais de apoio nesta transição é uma forma que a empresa pode encontrar de ir além dos fins puramente capitalistas e ser co-responsável com os impactos que serão gerados na vida dessa pessoa que foi contratada e agora demitida (por livre e espontânea pressão).
Portanto, responsável pode ser que sim. Mas não, não acho que pacotes de benefícios e motivos de eficiência dão necessariamente um tom de “humanização” ao desligamento. Para mim, o que “humaniza” um processo de demissão é o motivo do desligamento ser centrado na pessoa e não na empresa, és decir, aquele desligamento que acontece porque a decisão parte da pessoa, ou seja, sair da empresa será melhor para atender as necessidades da pessoa, e a empresa se propõe a um acordo de desligamento para beneficiar esta pessoa (o conhecido acordo de desligamento ou desligamento voluntário).
O desligamento humanizado e a analogia com o atendimento humanizado
No caso análogo de um serviço ou atendimento humanizado, a meu ver, a humanização ocorre quando o que é oferecido é centrado na necessidade do cliente e, portanto, busca-se encontrar, dentro dos recursos da empresa, uma solução que coloque o cliente no centro. O desligamento humanizado segue a mesma lógica: a necessidade da pessoa precisa estar no centro. Para isso as empresas precisariam entender quais necessidades essas pessoas têm para buscar atendê-las da melhor forma em um desligamento. Mas é claro que isso é praticamente ilusório, e ok, afinal essa é a lógica capital.
Então ok, um desligamento forçado (aquele que a empresa impõe ao colaborador sem que seja escolha dele) não é algo humanizado, não importa que você faça pacotes com “cara de somos humanizados” — pois, no final do dia, o processo não coloca a escolha do colaborador no centro da decisão, e sim a necessidade e escolha da empresa. Então, o primeiro passo é assumirmos isso e pararmos de ficar nos enganando e floreando um tema que não é nada flores: um desligamento forçado é doloroso e majoritariamente prejudicial às “vítimas” dele (ao menos no curto prazo), ponto.
O segundo passo é assumirmos que, ainda que não seja algo essencialmente humanizado, o desligamento forçado pode ser sim amigável, empático e responsável. Então vamos focar em construir mecanismos, processos e pacotes que sejam o que é possível ser: uma tentativa de minimizar danos, de compensar prejuízos e, principalmente, de ser co-responsável no impacto gerado nas pessoas, devido às decisões que a empresa está impondo a elas.
Podemos ter tato humano — vulgo empatia — na conversa de desligamento, podemos ser amigáveis e solícitos no apoio oferecido, podemos construir benefícios que assumam a responsabilidade de suportar parte do período de transição – vulgo desemprego — das pessoas. Podemos fazer tudo isso e será muito (muito!) melhor para as pessoas desligadas se assim fizermos. Mas vamos parar de chamar de humanizado o que na verdade é corporativista, porque assim parece que estamos tentando aliviar a barra da empresa e não assumir a dura verdade que é: se a empresa desligou uma pessoa de forma forçada, ela fez isso pensando em si própria e não na pessoa.
E ok, vamos assumir a “feia verdade” das nossas escolhas, dar o nome certo às coisas e fazer o melhor que pudermos para sermos empresas cada dia mais empáticas, amigáveis e responsáveis. 🙂
Gracias,
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