O que pensam os executivos das empresas mais afetadas pela pandemia?
A maior crise econômica e sanitária da história recente impactou o mundo todo em questão de poucas semanas. Com isso, os principais executivos de grandes empresas se encontraram em um grande dilema: como conduzir uma companhia em um mar turbulento, nunca antes visto?
Foram várias as ações… demissões, licenças, férias para funcionários, negociação de pagamentos de fornecedores, alongamento de dívidas, reorganização da cadeia de suprimentos, estabelecimento de operações remotas, lançamento de produtos específicos para o momento, entre outras.
Uma coisa é fato: são momentos como esse que colocam a capacidade de adaptação, a criatividade e o engajamento da equipe à prova.
A Azul, que fechou 2019 eleita a melhor companhia aérea do mundo na premiação TripAdvisor Travellers’ Choice Awards, marcou a máxima histórica de suas ações em R$64,00, inaugurando um novo espaço em Viracopos. Em questão duas semanas, as reservas de passagem chegaram a 10% do volume normal. A rede hoteleira Accor, que já monitorava muito de perto a situação asiática por possuir diversos hotéis no continente, teve uma redução de 60% da taxa de ocupação no Brasil em menos de uma semana. A Time4Fun, responsável por eventos como o Lollapalooza, suspendeu toda a sua programação sem nenhuma previsão de retorno.
Forçadas a se sustentarem de alguma forma, alguns executivos de sobressaíram na busca por alternativas.
Rene Santos, Diretor Financeiro da Azul Linhas Aéreas, nos contou que 90% das aeronaves estavam no chão. Os mais de 3 andares do escritório ficaram desertos, “fantasmagóricos”. “Colocamos quase todos de home office, exceto o controle de voos, tesouraria e um ou outro setor primordial, mas todos em sistema de rodízio”.
Sua estratégia, aponta Rene, foi mostrar aos stakeholders que valia a pena compreender a situação da Azul: “sentamos em cima do caixa. Indiretamente, foi como se pedíssemos um crédito, mas combinamos um prazo e um montante para, aos poucos, cumprir com os pagamentos conforme o booking de voos fosse voltando ao normal. Suspendemos emergencialmente todos os pagamentos para fornecedores, aproveitamos algumas iniciativas do governo, abrimos mão do bônus dos executivos que seria pago em abril, incentivamos as licenças não remuneradas entre nossos “tripulantes” e criamos uma rede de contato por celulares corporativos para que todos pudessem enviar sugestões. Em uma noite, depois de um dia absolutamente exaustivo, o John Rodgerson, CEO, pegou esse celular e começou a retornar as ligações agradecendo pelas mensagens enviadas. Foi emocionante! Todas essas medidas nos trouxeram quase R$3bi de volta ao caixa.”
Mauro Rial, CFO para a América do Sul da rede hoteleira Accor, definiu mais de 150 atividades específicas, todas com o objetivo de reduzir custos. “Assumimos férias coletivas, nos engajamos com o governo para entender as medidas que poderiam ser tomadas, revimos toda a nossa cadeira de fornecimento – e aqui percebemos muita solidariedade e parceria. Adiamos investimentos e postergamos pagamentos. Tudo para conter custos e reduzir a saída de caixa”.
Além disso, Mauro destaca a comunicação como essencial em momentos delicados assim. “Montamos um comitê de crises, do qual faço parte, e criamos uma rotina de reuniões diárias até aos finais de semana. Toda e qualquer decisão não era simples e tinham impactos complexos. Com a minha equipe, eu também fazia uma reunião diária, para definir as atividades e acelerar as tomadas de decisão, dar ritmo, dinâmica, acompanhando os acontecimentos globais e as decisões dos governos. Essa comunicação também foi essencial para acalmar todo mundo. Havia muita insegurança”.
A Time4Fun, que tinha o Lollapalooza completamente programado, se viu em meio à adoção de uma série de medidas emergenciais para conter o volume de gastos e preservar o caixa. André Veloso, CFO da empresa, nos contou que “infelizmente, tivemos que cortar cerca de 50% dos colaboradores poucos dias após a decretação do estado de calamidade pública. Promovemos uma drástica redução de gastos, alongamos os prazos de pagamento e reperfilamos nossa dívida de modo a manter ativa uma das frentes do nosso plano estratégico, que é crescer via M&A – já concretizamos dois deals e ainda temos outros targets em vista”.
Passada a atuação para conter custos e minimizar o impacto nas empresas, o objetivo passou a ser se adaptar e continuar operando. A Azul modificou aviões comerciais para se tornarem cargueiros, além de implementar, em suas malhas, voos humanitários em busca de respiradores.
Já a Accor procurou entender como as necessidades dos clientes estavam evoluindo. Assim, lançou o “room-office”, quarto de hotel com toda a infraestrutura necessária para servir de escritório, reuniões ou até pessoas que não possuem espaço em casa ou preferem sair para o trabalho, ainda que com a imposição do home office.
A companhia também começou a fazer deliveries de seus restaurantes em formato “ghost-kitchen” e criou uma agenda de aulas online de yoga, cozinha, etc. “Depois disso, procuramos maneiras de ajudar. Apesar do enorme impacto econômico e financeiro, é uma pandemia, com impactos na saúde das pessoas. Assim, acionistas abriram mão dos dividendos do ano e um percentual (70 milhões de euros) foi disponiblizado para o fundo ALL Heartist Fund, para apoiar pessoas relacionadas à Accor que estavam enfrentando dificuldades por conta do COVID. Além disso, criamos uma parceria com o Instituto Avon, o Projeto Acolhe, para acolher, em nossos hotéis, pessoas que sofrem de violência doméstica – principalmente mulheres, muitas vezes com seus filhos”, nos conta Mauro.
Como aprendizados de tantas adaptações e desafios, tanto André quanto Rene destacaram a maturidade do time, a comunicação franca entre as equipes, disponibilidade dos gestores e a rapidez na tomada de decisão como pontos cruciais para superar as adversidades.
Para 2021, as expectativas são bem mais positivas! A Azul planeja retomar até 90% dos seus voos, assim como a Accor, que enxerga as viagens diretamente relacionadas ao PIB, esperando um aumento substancial nos gastos com turismo, dentro e fora do Brasil. Para a Time4Fun, a capacidade de imunização com a vacina é ainda a grande variável para o retorno da rentabilidade das suas operações.
Apesar de um ano promissor, os desafios são certos.
Um agradecimento especial aos executivos:
André Veloso, CFO da Time4Fun
Mauro Rial, CFO South America da Accor
Rene Santos, Finance Director da Azul Linhas Aéreas Brasileiras