O Setembro Amarelo, nos últimos anos, vem se tornando cada vez mais um símbolo de conscientização e fomento aos cuidados com a saúde mental, mas sua origem vem da luta para a prevenção ao suicídio, um tema tanto doloroso quanto importante de ser elucidado. A nossa saúde mental é, de fato, um dos fatores mais relevantes na biografia de um suicídio, mas temo que estejamos sendo reducionistas ao pensar que é o fator único.
Em tese, dizemos que uma pessoa tem boa saúde mental quando ela é capaz de balancear sua vida, utilizando-se de recursos emocionais e psíquicos para manejar as adversidades que surgem. Bem, em um mundo onde as adversidades são de fato manejáveis eu certamente concordo com esta definição, porém vivemos em um mundo que nos oferece adversidades que ousaria chamar de “imanejáveis”. Pensar que a saúde mental se resume à pessoa desenvolver recursos próprios diante das adversidades da vida é isolar esta pessoa, desconsiderando toda a sua problemática psicossocial.
Existir nesta vida, hoje, talvez não seja tão sustentável para todas as pessoas. Portanto, escolher deixar de existir pode ser a opção mais manejável para algumas.
Nem todos nascerão e viverão uma vida de oportunidades.
Nem todos nascerão e viverão uma vida cercada de rede de apoio.
Nem todos nascerão e viverão uma vida com suas necessidades mínimas atendidas.
Nem todos nascerão e viverão uma vida com dignidade garantida.
Muitos não nascerão e não viverão vidas manejáveis.
Digo isso não para estimular a escolha de não mais existir, mas para convidar a todos a olhar para a biografia do suicídio com um olhar mais compassivo, mais empático, mais ampliado socialmente e mais profundo humanamente… Precisamos nos aproximar do que significa a escolha do suicídio para deixar de estigmatiza-la. Deixar de estigmatizar que quem escolhe se matar é culpado. Sim, a gente culpa o suicida. A gente aponta o dedo para essa pessoa e se questiona “como ele foi capaz de fazer isso consigo próprio e com quem o ama? Que egoísta!” e deixamos de apontar o dedo para nós mesmos, para a nossa sociedade, para a lógica de vida insustentável que estamos criando coletivamente e questionar “como fomos capazes de nos isolar tanto nas nossas lógicas de vida hiperindividualizadas que contribuímos para uma vida insustentável? Que egocêntricos somos nós!”.
A biografia de um suicídio nunca é tão simplista. É consequência de uma vida profundamente adoecida, em tantas camadas que se tornou imanejável para aquele que a vive. O suicídio é o manejo encontrado por aquele que sente que sua existência deixou de ser manejável.
Setembro Amarelo é, para mim, um apelo para furarmos nossas bolhas e nossa anestesia, para enfim penetrarmos na biografia de quem tanto sofre. Sofrimento esse que não só se origina de um adoecimento mental, mas também de um adoecimento social, econômico, político, material e imaterial.
Setembro Amarelo é um convite para ampliarmos nosso entendimento de mundo, olharmos ao redor e enxergarmos genuinamente as diversas realidades que nos cercam.
Setembro Amarelo é um lembrete brutal: nem todos de nós têm o privilégio de sentir que a vida vale a pena ser vivida.
Se para você tudo isso parece um absurdo, deixa eu te contar que o pensamento e a sensação de não querer mais viver perpassa a mente de muitos de nós, em vários momentos durante a nossa trajetória. É comum estarmos enfrentando adversidades e sentirmos que a vida não faz mais sentido, que viver é doloroso demais, que não aguentamos mais o fardo… mesmo pessoas muito “trabalhadas na terapia”, com vidas materialmente e socialmente bem privilegiadas, são atingidas por esse tipo de pensamento e sensação. Eu já fui atingida inúmeras vezes e me considero uma pessoa muito privilegiada e muito amparada terapeuticamente. É comum e é natural questionar o valor e o sentido de seguir vivendo. Não estamos doentes por isso. Mas poderemos nos perder se não encontrarmos apoio e amparo diante dessas adversidades. Portanto, sejamos apoio e sejamos amparo uns para os outros! Nunca sabemos e nunca saberemos o que verdadeiramente se passa na intimidade de uma vida alheia. As profundezas da nossa existência só quem as vive pode saber.
Dito tudo isso, gostaria de encerrar essa reflexão deixando aqui algumas dicas sobre como lidar com alguém que possa estar experimentando pensamentos e sensações tão dolorosas que o façam questionar se a vida faz sentido:
- Não minimize o que a pessoa sente com julgamentos superficiais. Não importa se você acha que ela não tem motivo para sofrer, o motivo é dela e não seu.
- Não dê conselhos instantâneos na ânsia de tirar a pessoa desses pensamentos e sensações. Conselhos vazios é a última coisa que ela precisa.
- Não deixe a pessoa sozinha e desamparada. Mesmo que você não possa resolver os problemas dela, você pode ser apoio emocional para ela.
- Converse abertamente com a pessoa sobre o que ela pensa e sente. Escute as suas dores com carinho e atenção.
- Permita que haja silêncio e seja companhia para a dor do outro. A gente se assusta diante da profundeza de um silêncio, mas segure firme e dedique sua presença ao outro.
- Pergunte qual tipo de apoio e amparo a pessoa precisa e se disponibilize a ajudá-la nas necessidades dela.
- E lembre-se de incentivar a pessoa a aceitar ajuda profissional e, principalmente, ajude ativamente na buscar por essa ajuda! Uma pessoa que está sofrendo pode não conseguir encontrar forças para ir atrás das ajudas que tanto precisa.
Por fim, espero que o Setembro Amarelo abra novas pontes entre nós.
Lutemos pela nossa saúde mental sim! Mas também lutemos pela nossa saúde social, pela saúde econômica, pela saúde política, pela saúde ambiental, pela saúde física e pela saúde do estilo de vida que estamos construindo.
Lutemos por dar e receber apoio e amparo para que nossas vidas sejam possíveis.
Maju Menezes.