Já começo dizendo que lamento que, em nome de mantermos uma busca lunática por produtividade e performance no mundo organizacional, o conceito de inteligência emocional esteja sendo tão mal interpretado e mal utilizado.
Eu não tenho nada contra a tal “inteligência emocional”, todo o contrário, ela é de extrema importância no nosso processo de viver vidas emocionais mais saudáveis. O problema é a distorção desse conceito como se ele fosse uma ferramenta de “controle e amordaçamento” das emoções dentro do mundo organizacional. Não gente, inteligência emocional não é ser alguém imbuído apenas de racionalidade e que nada sente e nada manifesta no campo das emoções. É dizer, um robô. Por favor, vamos desconstruir esta insanidade!
É realmente uma loucura coletiva esta busca por supressão das emoções, esta ideia de que temos que separar nosso mundo emocional do nosso mundo profissional. Em pleno mundo em pandemia, no qual fomos obrigados a misturar todos os nossos contextos externos dentro da nossa casa, no qual todo nosso senso de controle foi arrancado de nós, no qual todas as emoções reprimidas foram jogadas aos ventos… em pleno mundo em pandemia, é ainda mais insano crer em tal ideia.
Você vai sentir emoções, queira ou não. A questão é: o que fará com elas?
Recentemente um cliente me contou uma história sobre ele ter recebido, por muitos anos, o feedback de não ter inteligência emocional devido à forma impaciente e estourada que ele reagia a determinadas situações no trabalho e que, na época, ele acreditava que aquele feedback era “bulshitagem”, afinal, logo ele, uma pessoa tão racional, não tinha como ter problemas de inteligência emocional, ele era pura racionalidade! Ele me contou que nutriu esta crença por muitos anos, até que alguém virou pra ele e disse “mas impaciência e raiva são emoções e você não está sabendo compreendê-las para gerenciá-las, já se deu conta?”. E aí ele se deu conta.
Não há como um líder gerenciar bem uma pessoa de sua equipe sem conhecê-la, com as emoções é igual; não há como gerenciá-las sem conhecê-las. Parece tão simples né, mas a verdade é que muuuuuitos de nós nos acreditamos tão racionais que negligenciamos totalmente que nossas impaciências, estresses, estouros são emoções e que, por ignorá-las, deixamos de fazer uma devida gestão emocional.
Nos acreditamos tão racionais que negligenciamos totalmente que nossas ações impacientes, estressadas, estouradas e afins nascem de um analfabetismo emocional.
É isso mesmo, analfabetismo emocional. Antes de ter inteligência emocional, preciso ter gestão emocional e, antes disso, conhecimento emocional. Se eu ignoro e/ou desconheço o que é uma emoção e como as minhas se manifestam em mim, eu simplesmente vivo num estado de analfabetismo emocional. A boa notícia é que o analfabetismo tem cura, e ela se chama conhecimento.
Inteligência emocional é algo mais profundo do que simplesmente controlar e dominar nossas emoções (como se elas fossem um inimigo). É viver com elas a favor de si mesmo.
Inteligência emocional é sobre fazer as pazes com o que se sente, não para ficar preso nesse lugar, e sim para escutar a mensagem por detrás do que se sente e, então, tomar uma ação mais consciente. Daniel Goleman já dizia que quanto mais clareza você tem sobre tudo que se passa no seu campo mental, físico e emocional, melhor será sua tomada de decisão sobre como agir. Clareza é o tal do awareness, sabe? Colocar-se como um investigador das próprias emoções nos ajuda a sair do condicionamento “sentir-agir” e ir para um novo hábito de “sentir-refletir-agir”. Refletir significa “tomar conhecimento”. Esta simples adição do “refletir” entre o sentir e o agir é uma importante chave para não sermos tomados por nossas emoções e passarmos a escolher o que fazer diante delas. Sair do analfabetismo emocional e irmos para a consciência emocional.
Às vezes, só o que precisamos são de segundos. Segundos para dar-se conta de que uma emoção pipocou em mim e, então, investigar de onde vem esta emoção. Nossas premissas alimentam nossos pensamentos que alimentam nossas emoções. Se tenho a premissa que “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, diante de uma situação de alguém da equipe questionando a decisão de um líder, posso pensar que esta pessoa é insubordinada e isso pode despertar em mim raiva. Com raiva, pode ser que eu aja sendo duro, rigoroso, fechado, inflexível e, até mesmo, agressivo.
Isso acontece a todo momento e nem nos damos conta. São muitas e muitas premissas antigas, desatualizadas e inconscientes, alimentando nossos julgamentos, nossas emoções e nossas ações. Abraçar a ideia de ser investigador das próprias emoções é uma oportunidade de tomarmos conhecimentos dessas premissas todas, questionarmos suas validades e atualizar aquelas que fazem sentido atualizar. E, ao atualizá-las, mudar também nossa ação. Isso é usar nossas emoções de forma inteligente, ou seja, termos inteligência emocional.
“Gênio é aquele que vê o que ninguém mais vê.” Susan David, livro Agilidade Emocional
Repito: não é sobre supressão emocional, não é sobre ser robô, é sobre tomar conhecimento das emoções, é sobre passar a “vê-las” para usá-las de forma inteligente, para agir de forma consciente. O que você veria sobre si mesmo, e que nunca havia visto antes, se investigasse suas emoções sentidas hoje?
Gracias,