Há pouco mais de um ano, eu escrevi um texto falando sobre fazer-se sabático. Na época, havia 6 meses que eu estava vivendo meu segundo sabático e ressoava forte em mim a ideia de que o sabático é mais do que o ato de largar tudo para dar-se um tempo de repouso, de novas descobertas, novos recomeçares e despertares. Mais do que um período de pausa das atividades regulares para redescobrir-se em outro lugar, o sabático, para mim, vinha se mostrando uma filosofia de vida que podemos incorporar na nossa rotina de trabalho e vida pessoal regular em doses homeopáticas.
Fazer-se sabático é incorporar em si a essência por detrás desse ato, sem precisar pedir demissão.
Um ano depois, muita coisa mudou, já não estou mais em sabático propriamente dito, estou de volta à rotina das várias horas de trabalho e estudo e mais trabalho e mais estudo. Voltei a cair no automatismo várias vezes, esqueci de beber das minhas doses homeopáticas de sabático e me vi novamente diante do impulso de largar tudo e sabaticar. O sabático tem esse lugar de permissão pra fazer nada. Ninguém quer largar tudo e dizer que está “fazendo nada”. Veja bem: “estou fazendo sabático e me redescobrindo”. Agora ficou bonito.
É interessante observar como temos esta tendência a desejar uma ruptura quando as coisas não vão bem ou não vão como gostaríamos que fossem, principalmente com relação ao ambiente de trabalho. Como se a ruptura fosse a resposta para nossos problemas. Quantas vezes desejamos que algo externo acontecesse e nos forçasse a dar um tempo do nosso trabalho? Às vezes, é só um desejo bem lá no fundo de adoecer e poder ficar de atestado. Às vezes, chega a ser um desejo bem bem bem lá no fundo de que a empresa te coloque na lista de demissão no lay-off. Se o mundo me der licença poética para parar tudo, eu poderei então descer desse trem desgovernado. Não é?
Pois bem, é aí que pra mim entra a ideia de fazer-se sabático. Antes de tudo, olha pra esse desejo de retirar-se e parar-se. O que de fato você busca quando deseja interromper seu trabalho regular para viver esse tal período sabático? Resolver suas frustrações? Encontrar uma luz no fim do túnel? Esquecer os problemas? Elevar sua contribuição com o mundo? Mudar a si mesmo? Aprender? Se transformar? Curtir a vida? Relaxar? Descansar? Simplesmente chutar o balde?
Cada um terá suas motivações e, certamente, todas elas são muitíssimo válidas, afinal, experiências assim podem nos trazer muita transformação e engrandecimento. Podem, mas não necessariamente trazem. Para mim, o pulo do gato sobre o sabático é entender que você leva a si mesmo para onde você vai. A parte sua que se meteu no trem desgovernado do trabalho é a mesma que seguirá aí quando você voltar do sabático. Você larga tudo para recomeçar, aí vive um tempo de sombra e água fresca e, quando volta, de repente está metide de novo em caos. Isso é sobre você, o sabático não vai te salvar de si mesme, desista dessa fantasia.
Por outro lado, se entendermos o que nos motiva a fazer um sabático, podemos nos concentrar em buscar, aqui e agora, doses disso que buscamos. Eu sempre posso escolher abrir espaço na minha “vida regular” para viver o novo. Para descansar, para repousar, para tomar uma água de coco e deitar na grama e olhar pro céu. Eu posso eventualmente fazer um trabalho voluntário com a comunidade carente aqui do meu lado. Posso ainda viajar para um lugar diferente a poucos quilômetros de onde estou. Fazer meditação ao ar livre. Conhecer culturas novas me aproximando de comunidades de imigrantes. Eu não preciso largar tudo e viver dessas coisas, eu posso tê-las na minha vida em doses eventuais. Eu só preciso estar atenta e conectada com as coisas ao meu redor, estar vigilante dos meus hábitos caóticos que me levam a estar num trem desgovernado. O seu trabalho pode ser caótico e exigir isso de você, mas o que você está fazendo por si mesme para minimizar os impactos disso?
Não digo isso como se fosse fácil, lembre-se que no começo do texto eu disse que eu voltei a cair no automatismo e voltei a desejar o “largar tudo”. A diferença é que eu voltei a cair, mas também voltei a levantar. Ainda que eu tenha voltado a me meter em sobrecargas desgovernadas, eu pude também ter conversas honestas comigo sobre o que em mim estava em desordem e, a partir daí, voltar a inserir minhas doses homeopáticas-sabáticas. Organizar a agenda para abrir espaço para trabalhar daquele cafezinho que amo, como estou fazendo agora enquanto escrevo. Me permitir dizer “não” pras ininterruptas demandas que chegam. Encarar com mais leveza os problemas e conflitos no trabalho. Rir dos erros. Enxergar com bons olhos as oportunidades de me desenvolver profissionalmente a cada interação. Muitas vezes é no detalhe. Você pode querer fazer um sabático pela experiência em si, mas muitas vezes o que você precisa mesmo é encarar a forma insustentável com a qual você vem escolhendo viver sua vida e seu trabalho e corrigir isso enquanto segue sua rota.
Tudo que eu vivo, sinto e penso existe em mim, e não fora de mim. A leveza que sinto quando deito debaixo do sol e sinto a brisa, essa leveza existe em mim, se eu me apodero dela, eu posso carregá-la comigo para onde eu quiser, por quanto tempo eu quiser e usá-la a meu serviço da maneira que eu quiser. Eu posso ter leveza no meio do caos do meu trabalho. Eu nem sempre preciso mudar o meu externo, eu preciso é mudar a mim mesmo para, então, uma escolha consciente de como quero fazer o que eu faço.
Que tal sabaticar-se um pouco?
Gracias,