Sobre o excesso de fazer.

Com a parte 1 da minha biografia profissional aprendi que fazer = conquistar = sucesso. Só se tem sucesso no excesso de fazer. Não se pode parar. Não é permitido desacelerar. Quanto mais eu faço, mais eu conquisto e mais me reconhecem. Um ciclo que se auto alimenta. Eu faço, eu entrego, eu sou recompensada, eu sigo fazendo. Mas a que custo?

Todos nós, excessivos fazedores, sabemos que o custo pessoal é alto. Custa sanidade mental e emocional, custa desgaste físico, custa horas sem dormir, custa nosso lazer e diversão, custa o contato com as pessoas que amamos, custa nossos finais de semanas, feriados e férias… O custo é alto, mas a promessa de recompensa também é. Isso torna este dilema bastante complexo, por isso não me atrevo a dizer que a resposta é fácil. Dizer pra fazer menos é arriscar muito.

Portanto, não venho através deste texto fazer nenhum tipo de campanha. Venho apenas trazer a pergunta: qual é o custo do teu fazer, para você?

Cada pessoa terá uma resposta individual e intransferível para esta pergunta. Da mesma forma que “fazer mais” não é garantia de sucesso, como eu pensava, “fazer menos” também não é garantia de uma vida melhor. Passa, muito mais, por compreender os ganhos e as perdas, que, por sua vez, passa por compreender o que eu busco e valorizo para meu momento de vida.

Este é outro aspecto importante: o momento de vida. A resposta não é atemporal, todo o contrário, ela é completamente dependente do momento atual, das aspirações atuais, da minha disposição atual, do que me serve neste aqui e agora que estou vivendo. No passado, quando crescer rapidamente na carreira era minha prioridade, o excesso de fazer e o dizer “sim” para todas as demandas que me chegavam, fez sentido. Minhas noites de descanso não eram tão valiosas quanto os reconhecimentos, os desafios e as promoções que eu tinha em vista. Então eu abracei o fazer sem limites, e alcancei aquilo que, naquele momento, eu valorizava. Até que parei de valorizar, mas o ímpeto de fazer, fazer, fazer continuou sendo meu modus operandi automático. A conta já não fechava, mas eu demorei pra percebê-lo.

Se formos esperar que os sistemas organizacionais sejam conscientes e bonzinhos e desacelerem o ritmo e as demandas por nós, estamos fadados a sermos reféns. Eu fui refém. Eu dizia a mim mesmo “eu não posso fazer diferente, eles não me deixam!”, pobre garota ingênua. Não existe “eles” e, ainda que exista um alguém concreto, esse alguém não vai se responsabilizar por mudar o jogo por você. Quando eu me dei conta disso, me deu muito medo desacelerar, dizer “não”, colocar limites, priorizar outras coisas na minha vida. Medo do julgamento, medo das consequências profissionais, medo, especialmente, de perder a identidade da “maju sem limites”, da “maju reliable, para quem se pode pedir tudo que ela sempre entregará”.

Essas identidades me definiam: a que faz.

Mas, em determinado momento, começaram a me consumir. E não havia outro remédio senão enfrentar os tão temidos “nãos”. Aí começa a parte 2 da minha biografia profissional. Com ela aprendi que fazer = algo a ser refletido antes de ser executado. Com ela, descobri que os tais “sistemas” organizacionais – muitas vezes, porém nem sempre – são capazes de reagir melhor do que imaginamos diante de uma atitude valente e consciente de alguém que diz “não”, que estabelece limites e prioridades. Se não tentarmos, não temos a menor chance de conseguir. E, mesmo que não reajam bem, ¿o que farei eu, por mim mesma?

Dizer “não” ao excesso de fazer não significa deixar de fazer, não significa abandonar o barco, não significa fazer corpo mole, não significa ser descomprometido, e la la la. Não significa sequer fazer pouco. Significa fazer o que faz sentido fazer, tirando da conta os excessos despropositados. Tirando da conta o fazer fazer fazer automático, que já nem sei porquê e para quê faço, só sigo fazendo.

Dizer “não” pro excesso de fazer, é dizer “sim” pro fazer consciente e propositivo. Que pode ser fazer muito ou fazer pouco, não importa a quantidade de fazeres, consciente e propositivo é sobre a qualidade do fazer,

Essa qualidade do fazer só eu posso assumir, afinal, ela passa por uma complexa balança entre a minha necessidade – pessoal, intransferível e temporal – e a necessidade do mundo organizacional no qual atuo. As empresas possuem, cada vez mais, necessidades variadas e desenfreadas. Isso só vai mudar quando as pessoas que atuam nestes mundos começarem a colocar um freio reflexivo antes da enxurrada. Um freio que diminua o ritmo para podermos ter um mínimo de questionamento sobre porquê e para quê estamos fazendo o que fazemos.

Somos uma multidão inteira de pessoas rogando por um fazer mais inteligente, mais consciente, mais propositivo, mais balanceado e de mais qualidade. Mas (quase) ninguém está se atrevendo nesta direção.

Eu entendo, é foda. Não se engane pensando que você não se atreve porque não tem poder hierárquico para fazê-lo, você se espantaria com a quantidade de C-levels, diretores, heads e tals que se sentem igualmente desempoderados para enfrentar um fazer diferente. Dói pra todo lado. Por isso volto a repetir que não me atrevo a dizer que a resposta é fácil. Mas não posso deixar de te convidar a pensar: quais fazeres fazem sentido, para você? E a que custo, para você?

Gracias,

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