sobre um coletivo que se ampara

Nos últimos meses tive a oportunidade de fazer um trabalho lindo de acolhimento psicossocial dentro do ambiente organizacional de uma certa ONG. Foram, e ainda estão sendo, várias sessões de acolhimento individual com as pessoas que trabalham na ONG, escutando e conhecendo mais a fundo as vivências destas diferentes pessoas. Após algumas sessões, decidimos desenvolver uma Oficina no qual o tema era “Como construir um coletivo que se ampara?”. 

A ideia da Oficina nasceu da observação de quantas vezes escutamos relatos repetidos sobre “me sentir sozinha(o) na luta aqui dentro da empresa”. É impressionante termos a oportunidade de estar fora do contexto, porém, ao mesmo tempo, imersos no relato das dores e vivências das pessoas que estão dentro do contexto. É impressionante porque conseguimos ver as nuances controversas que há ali: um coletivo de pessoas todas tentando fazer o seu melhor dentro do ambiente organizacional, todas dando tudo de si, e todas sentindo falta de apoio e colaboração no grupo. Se todos acreditamos que estamos colaborando com a organização, como todos podemos sentir que não há colaboração ao nosso redor?

Talvez não estejamos colaborando como acreditamos estar. Ou talvez o que chamamos de colaboração seja, na verdade, outra coisa.

Através da escuta ativa, essas nuances vêm à tona, as histórias se desenrolam mais profundamente, mais sistemicamente. Se cruzam, se interconectam, se atravessam. Há muitos atravessamentos no que acreditamos ser colaboração. É comum as pessoas engajadas em um ambiente organizacional acreditarem que estão dando tudo de si para colaborarem. E elas estão mesmo dando tudo de si! Mas o resultado nem sempre é a colaboração. Muitas vezes é choque, invasão, desrespeito, violências invisíveis (e até visíveis).

Tentamos colaborar, mas nos esquecemos de amparar. Nos esquecemos de olhar para o meu papel, o meu poder de ajudar e, especialmente, a necessidade real do outro e da organização em ser ajudado. Se eu não olho para estes três fatores, eu acabo caindo numa ação impulsiva motivada pelas emoções afloradas no momento em que vejo uma situação que me atravessa. Me sinto atravessada e acabo atravessando o outro. 

Eu vejo um problema, me sinto indignada por ele e reajo automaticamente buscando fazer algo para resolver este problema (chamando isso de colaboração). A armadilha aqui é que a minha intenção pode ser resolver e colaborar, mas, na prática, eu acabo julgando a situação e fazendo o que eu acho que é o certo, sem entender o que é melhor para o contexto.

Cabe ao meu papel atuar neste problema? Eu tenho poder/condições para ajudar neste problema? As pessoas envolvidas no problema necessitam da minha ajuda?

Se reflito e me dou conta que sim me cabe atuar, sim, eu tenho poder/condições de ajudar e sim a organização necessita da minha ajuda… ainda vem outra perguntinha: de que forma ajudar? Para colaborar e para ajudar realmente, a forma de atuar precisa amparar o problema, as pessoas e as necessidades da organização. A forma de atuar precisa cuidar dos impactos que podem ser gerados pela minha intervenção. A forma de atuar precisa apoiar os limites meus e do outro.

À luz dessas ideias, a Oficina que realizamos respondeu à pergunta “Como construir um coletivo que se ampara?” com a resposta “Construindo pontes”. Pontes entre eu, o outro e as necessidades do grupo. Somos capazes de construir pontes dentro de um ambiente organizacional quando paramos de reagir impulsivamente e começamos a discernir que não estamos cercados de inimigos, como nossos receios nos levam a crer. Estamos, na verdade, cercados de pessoas com a intenção de ser aliadas, assim como nós.

Eu preciso ver além das formas distorcidas de atuação, para ver que por trás há motivações genuínas. E, quando posso vê-las no outro, e o outro pode vê-las em mim, então podemos baixar os muros, reduzir os choques e os combates, porque já não estamos mais lutando. Estamos agora dispostos a nos amparar.

É claro que para chegarmos nesse ponto temos uma loooonga caminhada de autoconsciência — consciência de si e do outro —, mas isso é história para outro momento. Até lá, podemos exercitar esse olhar amparador que é a chave para conseguirmos, enfim, colaborar! 🙂

 

Gracias,

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