Com a globalização, a diversidade cultural nas empresas assume um papel cada vez mais importante na contratação de profissionais e na gestão da organização. É possível apreciar essas diferenças culturais em muitos filmes. Como no filme Fábrica de Loucuras, que aborda a diversidade cultural nas organizações, especificamente, entre Ocidente e Oriente.
“O Oriente é o Oriente, o Ocidente é o Ocidente, e os dois jamais se encontrarão”, escreveu o poeta indiano/britanico Rudyard Kipling em A balada do Leste e Oeste (The ballad of East and West) num de seus versos. A literatura e o cinema são fartos de exemplos que mostram que as a diversidade cultural entre essas duas regiões do globo são muitas vezes intransponíveis. Quem não se lembra de Bill Murray e Scarlett Johansson perdidos em Tóquio no filme Encontros e Desencontros? Ou das diferenças culturais entre persas e americanos no filme Casa de Areia e Névoa?
Definitivamente, a convivência entre os povos do lado de cá e de lá do meridiano de Greenwich parece, à primeira vista, complicada.
Só que esses filmes — na verdade, muitos dos filmes sobre diversidade cultural — abordam o aspecto das relações interpessoais. Acontece que, com a globalização, a diversidade cultural assume um papel cada vez mais importante para o sucesso de um empreendimento. E aí eu retomo a questão: se Oriente e Ocidente têm que trabalhar juntos, como fazê-los se encontrarem para o sucesso de um negócio?
Essa é a pergunta que um dos filmes mais interessantes sobre cultura e trabalho que eu conheço se faz. Falo de um clássico da Sessão da Tarde: Fábrica de Loucuras (Gung Ho, 1986), dirigido por Ron Howard e estrelando Michael Keaton, o eterno Batman de Tim Burton.
A trama: Americanos x japoneses
No filme, uma fábrica de automóveis é o coração econômico da cidade industrial de Hadleyville, na Pensilvânia. Porém, a montadora que controla a fábrica decide fechá-la, o que decreta o fim da cidade. Numa tentativa desesperada de salvar empregos e a economia do lugar, Hunt Stevenson (Keaton), ex-mestre-fábrica, vai a Tóquio falar com os diretores da montadora para reativar a fábrica.
Os diretores aceitam — mas desde que sejam implementadas mudanças no lugar. O objetivo é que os trabalhadores americanos passem a trabalhar com a mentalidade prezada pela fabricante. Isso significa disciplina acima de tudo, colocar o bem da empresa acima das preferências e objetivos individuais.
No comando da fábrica, os executivos colocam Kaz Kazuhiro (Gedde Watanabe), que precisa urgentemente transformar o empreendimento em sucesso e agradar os seus patrões. Kazuhiro tem um histórico de fracassos nas posições de chefia que já ocupou, coisa que os executivos atribuem ao seu excesso de leniência com os seus liderados. Por isso, dessa vez, ele decide ser absolutamente estrito.
Agora trabalhando por uma fração do salário anterior ao fechamento da fábrica, os funcionários precisam participar de atividades como ginástica laboral e têm de trabalhar sob exigências quase impossíveis de cumprir. Além disso, a fabricante proíbe atividades de cunho sindical, como encontro de trabalhadores.
A diversidade cultural nas empresas na prática
De primeira, Hunt tenta elevar o moral dos trabalhadores fazendo-os lembrar de um grande desafio do passado: uma partida de futebol americano dos tempos da escola. Hunt tenta apelar para o talento individual de cada trabalhador. Porém, a estratégia não funciona: quando a fabricante exige que 15 mil carros sejam feitos num único mês (o que exige níveis hercúleos de esforço), todo o trabalho de convencimento feito com os trabalhadores vai para o vinagre.
Porém, a direção da montadora não vê nenhum absurdo nas novas exigências — o que é a gota d’água do relacionamento entre Hunt (que atua agora como gerente de pessoal) e Kazuhiro. Kazuhiro simplesmente não entende o porquê dos profissionais americanos pensarem tanto no bem-estar individual, por exemplo. Numa cena crucial, ele afirma: “Vocês nem vêm trabalhar quando adoecem!”
Quando o fim do mês vem chegando e fica claro que a meta de 15 mil não será batida, os trabalhadores entram novamente em pânico, já que a montadora deixa explícito que a fábrica será fechada de novo. Determinados a baterem a meta custe o que custar, Hunt e Kazuhiro vão à fábrica sozinhos e começam a montar carros com as próprias mãos. Inspirados pela determinação dos dois líderes, os funcionários reaparecem de livre e espontânea vontade, e decidem montar os carros faltantes.
No dia seguinte, Mr. Sakamoto, o CEO da fabricante, visita a fábrica. A meta não foi batida, mas os funcionários conseguiram montar um número suficiente de carros para impressionar o chefe ranzinza. No final, ele diz: “Boa equipe”, ao que Kazuhiro responde: “Bons homens.”
O “eu” e o “nós”
Um dos elementos mais impactantes do filme para mim é o duelo entre individualismo e coletivismo. É precisamente aquilo que esse último diálogo entre Kazuhiro e Mr. Sakamoto representa e que fica clara a diversidade cultural nas empresas que podemos encontrar.
O que foi que provocou essa inspiração que fez os trabalhadores tentarem, ainda que inútilmente, baterem a meta? Foi serem bons homens — isto é, indivíduos com senso de esforço ou dedicação — ou foi a superação de medos e vontades individuais em prol do bem da companhia?
Essa é a grande questão do filme, para mim. E é também a grande questão das diferenças culturais entre países e sociedades em que o senso de “eu” é menos importante que o nós. O Japão pode ser um exemplo extremo disso, algo que pode ser notado até mesmo pelo modo deles de endereçar uma correspondência. Se nós começamos escrevendo nossos nomes, o número da nossa casa, da rua, do bairro, da cidade, do estado e do país, eles fazem exatamente o contrário. O Japão vem primeiro e por último vem o meu endereço residencial.
Quando o assunto é diversidade cultural nas empresas, não existe certo e errado
O grande problema que o filme apresenta é que não está errado os americanos serem mais “individualistas” e os japoneses serem mais disciplinados. É que o método de imposição da nova cultura na fábrica está errado — algo que até mesmo o japonês Kazuhiro percebe. Numa cena em que um dos funcionários deseja ser liberado do serviço para poder acompanhar o nascimento do filho e tem o pedido negado, o jovem gerente exclama: “Estou vivendo num episódio dos Looney Tunes!” Ou seja: nada faz sentido.
Fábrica de Loucuras é hoje um clássico do cinema de comédia e um excelente filme para quem quer saber como não se impor uma cultura corporativa. É tão importante que a Toyota utiliza o filme Fábrica de Loucuras até hoje nos treinamentos dos seus executivos como forma de mostrar como não gerenciar funcionários ocidentais.
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De qualquer forma, independentemente se somos mais individualistas ou coletivistas, não resta dúvida de que uma empresa ou empreendimento só vai para frente quando a obra funciona harmoniosamente — seja pelo mérito individual ou pela sincronia entre todos. E o título original do filme deixa isso claro: Gung ho é uma expressão chinesa que significa “bom trabalho em equipe”.
– Ernesto Schlesinger
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