No fim de maio, a Volkswagen anunciou a suspensão da produção em suas fábricas de São José dos Pinhais, no Paraná, e em Taubaté, no interior paulista, por pelo menos dez dias. O motivo foi a falta de insumos, especialmente semicondutores.
Não se trata de uma exceção. A pandemia causada pelo coronavírus trouxe o problema da falta de insumos e de matéria-prima para vários negócios, de diferentes setores. Uma reação em cadeia que atingiu muitas empresas, de diferentes tamanhos.
Vinicius Müller, ex-consultor na Kearney e especialista em operações estratégicas e procurement, menciona uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostra que a indústria automobilística foi bastante afetada, mas não só ela. “Cerca de 70% das empresas foram afetadas”, comenta o executivo. “E são 2,7 milhões de empresas no Brasil. Desde a pizzaria de bairro que não tem caixa de papelão até grandes companhias de mineração, cujo fornecedor de serviço de manutenção não tem mão de obra suficiente para fazer o trabalho, o que impacta na produção da empresa”.
Para contornar o problema, Müller comenta que as empresas têm buscado acordos mais estratégicos com seus fornecedores. Porque, quando se tem um relacionamento mais estratégico com o fornecedor, em um momento em que todo mundo quer comprar e há capacidade limitada de produção, o fornecedor vai priorizar quem tem boa relação com ele.
Uma outra mudança que o setor está observando é uma mudança na dualidade eficiência em termos de custo e resiliência.
Müller explica que, em supply chain, sempre se buscou ser mais eficiente em termos de custo. A resiliência para suportar uma possível ruptura na cadeia, de forma geral, ficava em segundo plano, pois encarece o processo. Afinal, implica ter mais fornecedores ou um estoque maior. “A gente tende a ser otimista, achando que os problemas não vão acontecer”, diz.
Só que veio a pandemia, causando enormes rupturas nas cadeias de fornecimento com as paralizações em diferentes partes do mundo. “O ponto agora é saber como equilibrar resiliência e custo.”
Segundo o consultor, o que se tem visto é as empresas começando a aumentar o nível de estoque, construindo resiliência, e antecipando pedidos, porque no atual mundo de incertezas não se sabe qual será a capacidade do fornecedor de atender seus clientes.
Entenda como se deu o problema nas cadeias de fornecimento
O especialista em cadeias de fornecimento e procurement João Marcelo Gama, ex-diretor de supply chain da Domino’s Pizza Brasil e do Burger King Brasil, explica que a crise sanitária causou um efeito dominó no segmento – e por isso afetou tanto as grandes companhias quanto as menores, que dependem de uma cadeia de abastecimento local.
“Quando aconteceu o primeiro lockdown na China, e em seguida na Europa, houve a primeira ruptura das cadeias globais. Aí foi um jogo de dominó, caindo até as cadeias menores”, diz.
Depois, quando a China começou a retomar sua economia, antes que todo mundo, impôs um ritmo para essa retomada. O resto do mundo abriu, aumentou a demanda, e os preços dispararam, principalmente das commodities, o que, aliado à depreciação cambial, criou um cenário altamente favorável à exportação. “Todo mundo resolveu exportar, e aí se criou um desabastecimento interno e inflação”, explica Gama. “Quem pagava mais era quem exportava, a indústria de embalagens, por exemplo, lidando com a dualidade da sua própria retomada e o aquecimento rápido do mercado, direcionou sua produção para o segmento exportador, afetando as cadeias locais”, exemplifica.
Gama diz que algumas empresas brasileiras surfaram bem essa onda, como as do agronegócio. Mas quem competiu com o agro por insumo perdeu, porque o setor tinha mais possibilidade para pagar pelos insumos nacionais. “É um movimento que impacta as cadeia nacionais e regionais.”
A solução foi, então, para quem tem cadeia nacional e regional, diversificar e ter mais fornecedores, mas isso pode significar pagar mais caro, porque tira concentração e poder de negociação. “Quando se faz isso de forma apressada, inflaciona o custo”, afirma Gama.
Uma reportagem recente do UOL detalha o problema. Empresários ouvidos pelo portal comentam que a escassez de insumos é responsável por reajustes de preços de até 170% que estão atingindo toda a cadeia industrial e chegando aos consumidores finais.
Todo esse movimento também se refletiu no recrutamento de executivos no Brasil.
“Durante os últimos meses, nós percebemos um aumento importante na demanda por profissionais dessa natureza, em especial aqueles com foco em strategic sourcing e procurement”, comenta Felipe Avena, fundador da UNI.CO. “Conduzimos buscas para algumas investidas de private equity em fase de expansão inorgânica e também em empresas maduras e bem estabelecidas de capital aberto.”