A História que não se conta sobre a trajetória da população negra no Brasil

Como além do mês da minha despedida a esta coluna, estamos também no mês de Novembro, o tema não poderia ser outro: falar sobre a luta contra o racismo e por igualdade étnico-racial. Mais especificamente, sobre a história da população negra no Brasil. Mas não aquela história contada nas escolas, que menciona superficialmente alguns fatos históricos e muitas vezes inviabiliza, apaga ou distorce algumas passagens da nossa história.

 

Antes de começar o artigo, alguns agradecimentos

O artigo deste mês traz uma mistura de sentimentos, pois se trata da minha despedida da coluna mensal da UNI.CO para seguir novos projetos pessoais. O convite para compor essa coluna me possibilitou conhecer um lado meu que talvez ficasse adormecido para sempre se não fosse por essa oportunidade. Hoje, relendo meus textos, só posso dizer que levo comigo um orgulho enorme desse capítulo da minha história.

A UNI.CO sempre me deu total liberdade para escrever e abordar qualquer pauta; nessa trajetória precisei ler e pesquisar muito para ter repertório e contribuir com os leitores que buscavam por informação de qualidade sobre diversidade. Foram dois anos de uma caminhada de muita parceria, trocas, reflexões e aprendizados e deixo registrada minha eterna gratidão ao convite feito pelo Tomás Jafet e pelo Felipe Avena, que, mesmo antes de mim, acreditaram e apostaram no meu potencial para esta missão. 

Cito apenas o nome dos dois, mas agradeço de coração a todo o time UNI.CO que sempre me recebeu de braços e mentes abertas em cada interação; e à agência que sempre conseguiu refinar ainda mais minha palavras e sempre trouxe mais cor aos meus textos. 

Encerro esse capítulo com a felicidade de ver minha contribuição traduzida em diversidade em cada lista de pessoas candidatas apresentadas pela UNI.CO aos seus clientes. Isso realmente não tem preço! 

Mas agora, vamos ao artigo. 😊

 

A história da população negra no Brasil

Na última semana, em um evento sobre letramento racial no LinkedIn, tive uma aula com Thiago André, criador do podcast História Preta, sobre a história da população negra no Brasil. Mas não aquela história contada nas escolas, que menciona superficialmente alguns fatos históricos e muitas vezes inviabiliza, apaga ou distorce algumas passagens da nossa história. Mas sim, a história que coloca em foco os personagens e acontecimentos que marcaram a população negra no Brasil, pois isso tem passado ao largo nas reflexões históricas formais. Vale muito se aprofundar, e pra isso, recomendo fortemente navegar nos episódios já gravados no podcast.

A participação dos negros no Brasil Colonial aconteceu a partir do momento em que a experiência colonial portuguesa estabeleceu a necessidade de um grande número de trabalhadores para ocuparem, em princípio, as grandes fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Tendo já realizada a exploração e dominação do litoral africano, os portugueses buscaram nos negros a mão de obra escrava para ocupar tais postos de trabalho.

Importante lembrar que as pessoas negras eram capturadas nas aldeias nas quais cresceram e muito poucas vezes conseguiam se manter próximas de conhecidos e familiares mesmo quando todos eram capturados juntos. Depois de capturados, enfrentavam uma jornada aterrorizante até chegarem aos portos (quase sem comida, água e espaço nos porões dos navios) e os maus tratos e indiferença por suas vidas ocasionavam muitas mortes pelo caminho. 

Historiadores concluíram que o total de africanos trazidos forçadamente para o Brasil aproximou-se de 5 milhões, tornando o Brasil o país do continente americano que recebeu o maior fluxo de africanos escravizados entre os séculos XVI e XIX. Estima-se que entre 11 e 12 milhões de africanos foram trazidos para a América.

 

Revolução Haitiana

Em 1791, negros escravizados e libertos inspirados pelos ares da revolução francesa de igualdade, mobilizaram uma grande revolta em prol da necessidade de instaurar a liberdade e a igualdade na Ilha de São Domingos, atual Haiti. Em 1804, esta revolução culminou na fundação de um estado que estava livre da escravidão e governado por não-brancos e ex-cativos. 

Atentos a isso, as elites agrárias de outros países americanos decidiram tomar a liderança em seus processos de independência para garantir a manutenção das estruturas econômicas e sociais. O objetivo das elites era evitar a repetição da Revolução Haitiana em outros locais. O medo branco que essa revolução se repetisse em outras colônias não estava ligado somente ao fato da deposição de poder, mas também pelo caráter exageradamente violento da revolução, pois a população branca que habitava a Ilha de São Domingos foi quase que totalmente exterminada e os que sobraram foram expulsos do país.

 

O real motivo de resistência à abolição da escravidão no Brasil

A pequena elite branca que comandava o país ficava apavorada com o crescimento exponencial da população negra livre e com as sucessivas revoltas e revanches da população escravizada que se aproximavam cada vez mais dos centros urbanos: a abolição viria cedo ou tarde! Mas a elite branca perdia o sono ao pensar que tanta gente maltratada e violentada por tanto tempo pudesse finalmente estar livre e fazer com as suas vidas o que quisessem, inclusive se vingar. 

A revolução Haitiana já pairava no imaginário da população branca como a pior coisa que poderia acontecer a eles e explicava o medo que a população branca tinha da população negra. A partir desse acontecimento, a elite branca se questionava como libertar a população negra sem que eles destruíssem tudo e exterminassem a população branca. 

O medo descontrolado que a elite brasileira tinha da população negra foi um dos principais motores de resistência à abolição da escravidão, tanto que o Brasil foi a última colônia ocidental a abolir a escravidão, que acabou acontecendo apenas em 1888. 

A experiência comum de um negro livre na época pré-abolição era na base de abusos, ameaças, ser preso sem motivos, voltar a ser escravizado e ser levado a leilão como se fossem animais. Nossa sociedade era impregnada com costumes racistas: mesmos os negros libertos precisavam provar que eram livres por meio de documentos oficiais.

 

Lei da vadiagem

No final da década de 1880, a manutenção da escravidão era praticamente inviável, pois, ao mesmo tempo que afetava a imagem internacional do Brasil (o último país da América a ainda utilizar trabalhadores escravizados), afetava a ordem interna do país, já que o Império não conseguia mais controlar a situação e as fugas eram frequentes. Assim, em 13 de maio de 1888, foi aprovada a Lei Áurea. 

Logo após a abolição da escravidão, a maioria da população negra não se encontrava no mercado de trabalho formal pois foram abandonados a própria sorte, sem oportunidades, sem renda, sem educação e sem nenhuma política que os integrasse socialmente. Neste cenário, o estado criou uma lei de repressão policial (Lei dos Vadios e Capoeiras) que previa a prisão para todo aquele que não pudesse comprovar ocupação de trabalho e moradia fixa, sendo retido por 30 dias. Ao terminar esse prazo, a pessoa teria 15 dias para arrumar um emprego e uma casa para morar, caso contrário, seria condenada a 3 anos de reclusão no presídio, o que obviamente tinha como propósito gerar um encarceramento em massa da população negra. Foram décadas alimentando o imaginário de que se o negro não possuia emprego, era por sua inteira culpa, por não ter se esforçado pra conseguir.

 

Eugenia e o Branqueamento Racial: um projeto político no Brasil

O Brasil Republicano implementou políticas públicas para conter o avanço da população negra, que agora se encontrava totalmente livre. O estado brasileiro tentou embraquecer propositalmente a nação, pois se não havia mais escravidão que diferenciasse quem é que manda de quem é que obedece, o estado precisaria promover algo que mantivesse a ordem social já conhecida. 

A eugenia, termo que surge em meados de 1800, com Francis Galton, primo de Charles Darwin, é a seleção dos seres humanos com base em suas características hereditárias com objetivo de melhorar as gerações futuras. No Brasil, a doutrina eugênica passou por significativas adaptações conceituais para que coubesse naquela realidade altamente miscigenada, formando o ideal eugenista tipicamente brasileiro, que defendia que a mistura de raças não era um problema em si e sim a única solução para o país. Alguns membros da classe científica afirmavam que a solução era implementar cada vez mais o elemento branco na composição geral da população, pois, em até 3 gerações ou 100 anos, o Brasil seria totalmente branco e eliminaria de vez a raça negra da sociedade. O branqueamento racial, portanto, se tornaria a melhor saída para resolver os problemas sociais da nação brasileira, que pretendia aniquilar a população não-branca. A saída para resolver isso foi começar a trazer da Europa trabalhadores para preencher os postos de trabalho que haviam ficado livres com o fim da mão de obra escravizada. 

É aí que nasce uma política pública relevante: a imigração. O Brasil investe pesado em propaganda nos países europeus para atrair os imigrantes europeus, prevendo pagamento em dinheiro para conceder terras, cobrir gastos com sementes, material de trabalho e mantimentos para sustentar a família imigrante por até 9 meses. Já no primeiro século do Brasil República vieram mais de 1 milhão de trabalhadores europeus para cá, de maior concentração italiana. A ideia é que com o progresso econômico dessa população de imigrantes, através da miscigenação pudessem tornar o Brasil o mais branco possível. Nessa época, o Brasil deixava bem claro quem eram os imigrantes ideais que podiam entrar no país: apenas os brancos.

Imagine uma pessoa negra, nascida livre, percebendo logo ao nascer que sua cor lhe negava acesso a estudo, a emprego regular e a moradia digna. Não seria mais fácil se fosse branco? A ideia de que “ser branco é melhor” não veio do nada, foi uma política de estado que inseriu no pensamento brasileiro a certeza de que ser branco era o mais desejável. Faz parte da história da população negra no Brasil a ação do Estado brasileiro, que por décadas a fio, tentou exaustivamente eliminar essa população do seu território.

 

Como essa história se reflete nas diferenças sociais e econômicas entre pessoas brancas e negras atualmente

Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesta última sexta-feira (11/11/22), mostrou que as pessoas brancas têm um rendimento mensal quase duas vezes maior do que as negras. No ano passado, enquanto a média foi de R$3.099 para brancos, foi de R$1.764 para pretos e R$1.810 para pardos.

Nesta pesquisa o IBGE também apresentou um balanço do mercado de trabalho em 2021: no quesito desemprego, as pessoas brancas representaram 11,3% dos desocupados, enquanto pretos, 16,5%, e pardos, 16,2%.

A pesquisa também indicou uma disparidade no quesito de cargos ocupados: a população ocupada preta ou parda, apesar de estimada como maioria em 2021 (53,8%), estava presente apenas em 29,5% dos cargos gerenciais ocupados em 2021. Já a população ocupada branca (45,2% do total), estava presente em 69,0% desses cargos.

 

A importância de políticas públicas e de ações afirmativas como medida de reparação histórica

Ainda hoje, a escravidão deixam marcas profundas em nossa sociedade, pois além de desumana ela ainda é muito recente: foram mais de 350 anos de escravidão e apenas 134 anos desde a sua abolição. Precisamos conhecer e contar essa história para compreender melhor as disparidades econômicas e sociais que compõem nosso país. Tenho certeza que assim fica mais tangível a urgência de lutarmos por políticas públicas e ações afirmativas no mundo corporativo para repararmos essa cruel dívida histórica que temos com a população negra. 

— Jaqueline Mandelli

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