sobre as pessoas por trás das empresas

“A empresa fez isso…”, “não concordo com a postura da empresa…”, “acho injusto o que a empresa fez…” Mas quem é a tal “a empresa” mesmo? Falamos tanto das instituições como se elas tivessem vida própria, mas quando digo que “a empresa fez algo”, na verdade é uma pessoa (ou um grupo de pessoas) que fez esse algo. Pois então, quem são as pessoas por trás das empresas? 

É comum em todos nós essa fala institucionalizada e não personificada (“a empresa”), o problema é que quando nos viciamos nessa forma de falar e de ver a questão — deixando de nomear as pessoas e focando nessa tal instituição incorpórea — isso nos leva a um distanciamento da resolução real do problema, afinal contra uma “entidade sem nome” nada se pode fazer. Não há como passar o feedback para uma entidade sem nome, não há como mover esforços de uma entidade sem nome. O que sim há é a possibilidade de dialogar e agir junto de pessoas concretas, nomeadas, personificadas.

Por trás das empresas, instituições e entidades, há pessoas. Quem são elas?

Conversando com uma pessoa muito querida, ela me contava do caso de um colaborador indignado com determinadas decisões que foram tomadas na empresa. A pessoa repetia que o problema era a empresa, a empresa, a empresa. “A empresa é injusta”, disse a pessoa. Então essa pessoa querida que me contava a história perguntou ao colaborador “Você está dizendo que acredita que o fulano é injusto?”. Foi aí que o colaborador deu um passo atrás e, talvez pela primeira vez, se deu conta que esbravejar contra uma entidade sem nome (“a empresa”) é muito fácil e confortável, difícil é encarar o esbravejamento contra as pessoas personificadas que estão por trás das empresas. Pessoas essas que dão vida às decisões e ações que são tomadas, e interpretadas como injustas. 

Continuar olhando para a tal “empresa” só nos leva a jogar indignações ao vento. A empresa sem nome não tem corpo, portanto não tem ação. Mas eu sei que é gostosinho culpar uma entidade sem nome, reclamar de algo e não de alguém, julgar algo e não um alguém, se indispor com algo e não com uma pessoa concreta. É tão mais confortável. A gente desabafa e sente que fizemos a nossa parte. Mas o problema não muda, porque estou lutando contra o nada. Estamos apenas olhando para o que achamos e eliminando da equação um fator importante, que é: o que o outro (que está por trás do problema) acha e o que ele pode fazer de fato.

Quem toma as decisões está em um constante malabarismo

Olhamos tanto para o que queremos versus o que ganhamos, acreditando que é injusto quando não somos atendidos nos nossos quereres, que deixamos de nos dar conta que decisões coletivas nunca conseguirão atender a plenitude dos desejos e necessidades de todos, porque quem toma a decisão o faz mediante um trade off de recursos disponíveis e de possibilidades do que pode ser feito. Decisões coletivas são complexas, as pessoas por trás delas estão em um constante malabarismo dos limitados recursos que possuem. Tentando montar um bonito quebra-cabeça, muitas vezes sem ter as melhores peças. Portanto, as decisões coletivas sempre passarão por algum grau de insuficiência para alguns, em nome de fazer o que é possível e mais favorável para todos. Precisamos nos abrir a ver as pessoas por trás das decisões para podermos, enfim, ver as diferentes perspectivas das decisões tomadas por elas.

“Nós nos esquecemos que, por trás da tal instituição, somos todos pessoas imperfeitas tomando decisões com restrições de recursos.” WANDERLEY, Felipe

Outro grupo de liderança com quem eu trabalhava passou pela mesma situação, eles repetiam que a “liderança da empresa era isso e aquilo…” até que eu lhes perguntei “considerando que as pessoas que constituem a liderança são vocês aqui nessa sala, quem de vocês está agindo dessa tal forma que todos estão comentando?”. Você pode imaginar que a resposta foi um prolongado silêncio. Não é fácil se dar conta que não existe “a liderança / a empresa”, o que existe somos nós, agindo e decidindo mediante o que nos é possível. Nós somos as pessoas por trás dessas instituições.

Que tal se desafiar a nomear as pessoas por trás das empresas e dos problemas?

Ela é a empresa, você é a empresa, eu sou a empresa. Nós, pessoas reais e imperfeitas, somos a empresa. Personificar a empresa, es decir, dar nomes às pessoas que de fato estão por trás das questões discutidas, nos ajuda a colocar o pé no chão, nos ajuda a sair do discurso inflamado e despropositado, nos ajuda a ponderar o nosso julgamento, nos ajudar a se lembrar que diante de pessoas reais é possível fazer algo real para tentar solucionar a questão. E, principalmente, que por trás do problema há pessoas reais fazendo o que podem para tomar as decisões que julgam melhores, com o que elas têm nas mãos. E que, se elas não estão fazendo o que nós achamos melhor, sempre podemos ir lá e tentar influenciá-las a ver a nossa perspectiva, ao passo em que eu também posso ver a perspectiva dela. 

Que tal se desafiar a nomear as pessoas por trás da empresa e dos problemas? E, então, se desafiar a buscar uma solução real com essas pessoas reais? E, quem sabe, até descobrir que suas indignações e discordâncias é que podem ser injustas e/ou infundadas.

Gracias,

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