É muito comum esperarmos e exigirmos das empresas, em especial da liderança, uma postura coerente e coesa, o tão valorizado walk the talk. Quem nunca criticou um outro alguém por acreditar que a pessoa estava sendo incoerente, contraditória, falsa, hipócrita, impostora… e por aí vai? Queremos líderes que lideram pelo exemplo, almejamos trabalhar com pessoas capazes de serem justas e íntegras, que conseguem aplicar na prática tudo que está em seus discursos. Seria realmente muito bonito (ou, na real, muito boring) convivermos com este grau de coerência na conduta de todos com quem nos relacionamos, pessoal ou profissionalmente. A começar por ter esta conduta nós mesmos, não é mesmo?
O que, muitas vezes, nos foge à compreensão é que individualmente já somos pessoas muito complexas, quem dirá coletivamente. O mundo individual e o mundo coletivo são, inerentemente, cheios de contradições. Não existe coerência absoluta (ou, se existe, ela está restrita àquelas pessoas iluminadas que perambulam pela Terra). No campo da vida real, coerência é um luxo, dificilmente alcançado.
Para além da busca por absoluta coerência
Somos seres mutáveis coexistindo num mundo organizacional que já possui sua própria dose de dinamismo e caos. Complexidade se relacionando com instabilidade. O resultado é inevitável: uma constante enxurrada de ambiguidades. Estamos imersos nesta ambiguidade, nós a criamos e somos criados por ela. Não somos agentes externos observando a incoerência alheia, somos a própria incoerência. Intencionamos coisas bonitas, que nos custa aplicar na prática porque simplesmente é difícil aplicar. Somos feitos de muitas e diferentes bagagens, não dá pra esperar que nossa consciência racional de uma idéia falada, será facilmente convertida em conduta impecável aplicada. Se esperarmos que seja assim tão fácil, cairemos em narrativas infundadas e expectativas irrealistas. A nossa razão é muito reducionista para chegar a alcançar a complexa ambiguidade da vida real.
Eu te engano por acreditar que será assim de simples. E você me julga por acreditar que poderia ter sido assim de simples. Não é e não será. Mais do que uma busca por absoluta coerência, por um impecável walk the talk, quizá deveríamos mesmo é começar a ser pessoas mais humildes e honestas com relação às nossas possibilidades reais de aplicação das nossas intenções.
Dessa forma eu posso te dizer “eu acredito que fazer as coisas dessa forma é o melhor, eu não sei se conseguirei fazer sempre assim, mas eu gostaria de tentar caminhar em direção a esta idéia”. E você, diante do meu walk the talk falho e imperfeito, poderá dizer “eu sei que você acredita em fazer diferente, mas entendo que está sendo difícil aplicar isto na prática”. E aí eu paro de ser alguém que te engana e você pára de ser alguém que me julga copiosamente. Simples, né?
Easy to talk, hard to walk. Mas precisamos tentar, é a melhor forma que conheço de estar o mais próxima possível da tal coerência: me esforçar e me propor a tentar, quantas vezes forem, seguir o caminho que acredito, que intenciono, que idealizo. Ainda que eu não consiga.
Walk the talk é um caminhada e não um ponto de chegada”
Outro caminho bem interessante também é sair das fantasias ideológicas de como eu gostaria de ser. Aprender a nos distanciar destes personagens maravilhosos que criamos para nós mesmos (e para o outro). Dissociar nossas identidades percebidas de algo tão convicto, tão absoluto, tão sólido e concreto. É preciso abraçarmos mais nossa liquidez, nossa complexidade, nosso caos, nossa inerente pecabilidade. Eu acredito que a desconstrução é o que nos faz verdadeiramente crescer e caminhar (literalmente) nossas ideias e intenções. A nossa capacidade de romper com os limites do certinho e corretinho e abraçar prazerosamente nossa absurda falta de coerência. Walk the talk por si só já convida a caminhar e não a fazer morada.
Let ‘s walk?
Gracias,
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