Algumas semanas atrás vivenciamos uma enorme mobilização de empresas, influencers e usuários do LinkedIn para que as políticas da rede fossem atualizadas e levassem em consideração o contexto e legislação locais, permitindo assim a publicação de vagas exclusivas, também conhecidas como vagas afirmativas, para grupos minorizados. Em uma velocidade recorde (levando-se em consideração o tamanho e complexidades da rede social), o LinkedIn fez o que era certo e aprovou tais mudanças. Mas mais impressionante do que a velocidade da aprovação e atualização das políticas (o que fortalece e prova ainda mais o quanto ela é necessária), foram alguns comentários que li e ouvi enquanto todo esse movimento acontecia.
Fiquei atenta às diversas perspectivas que surgiam e, por um lado, foi poderoso e inspirador ver a união de muitas instituições (muitas delas, grandes concorrentes de negócios) e profissionais se aliando por um propósito e objetivo em comum; muitas pessoas compartilhando perspectivas fortemente embasadas e coerentes, contribuindo e abrindo ainda mais meus olhos para a verdadeira realidade e importância das políticas afirmativas. Já outras, infelizmente, ainda usando o raso discurso de que “somos todos iguais” e que vagas exclusivas/afirmativas são uma forma de discriminação.
Lembrei então de uma Jaque do passado, que 15 anos atrás também não entendia a importância de cotas na faculdade, e ponderei o quanto foi importante eu ter me deparado com opiniões contrárias às minhas e também com leituras que embasassem as razões pelas quais essas políticas existem e se fazem necessárias. Portanto decidi dedicar o artigo deste mês a ajudar as pessoas que ainda fazem companhia à Jaque do passado, mas que estão abertas a aprender e evoluir.
Então, vale começar com o conceito de políticas afirmativas:
De forma prática, são medidas adotadas tanto por órgãos públicos como por instituições privadas para reparar desigualdades sociais e/ou raciais que foram acumuladas ao longo dos últimos séculos. Ou seja, são ações que aceleram o acesso de pessoas negras, indígenas e de outros grupos minorizados, a oportunidades de vagas (nas universidades, empresas, etc), evitando que os ciclos de desigualdade promovidos no passado se reproduzam interminavelmente.
Vagas afirmativas são discriminatórias!
O grande problema por trás da crença em dizer que vagas exclusivas/afirmativas para determinados grupos minorizados representam uma forma de discriminação é que ela usa a mesma palavra — discriminação — para descrever duas coisas muito diferentes: a discriminação no trabalho está fundamentada no preconceito e na exclusão, enquanto a ação afirmativa é um esforço para superar o tratamento preconceituoso por meio da inclusão. A maneira mais eficaz de curar a sociedade de práticas excludentes é fazer esforços especiais para a inclusão. Em uma comparação muito simplista, a lógica da ação afirmativa é similar à lógica do tratamento de uma deficiência nutricional: para uma pessoa saudável, altas doses de suplementos podem ser desnecessárias ou até prejudiciais, mas para uma pessoa cujo sistema está desequilibrado, os suplementos são uma maneira eficiente de restaurar o equilíbrio do corpo. Quando nossa sociedade for um organismo em equilíbrio, essas ações não se farão mais necessárias.
Minoria Maioria Racial
Usando o recorte de raça como exemplo dessas necessidades: não é porque atualmente existe uma convivência e relacionamento naturais entre pessoas brancas e negras que podemos esquecer das quase 5 milhões de pessoas negras trazidas para cá e escravizadas por mais de 350 anos. Quando finalmente esse delírio coletivo (de pessoas brancas) foi “encerrado”, não houve a criação de políticas de inserção dessa população em diversos âmbitos da sociedade, incluindo o mercado de trabalho. Essas pessoas não tinham estudo ou condição financeira para garantirem sua independência e prosperidade. Ou seja, não foram oferecidos os mesmos pontos de partida para as diferentes raças, portanto, como sociedade precisamos de políticas e ações para reparar essa dívida histórica.
Acesso ao ensino superior
Em 1997, alunos pretos e pardos representavam apenas 4% das matrículas, já em 2018, 6 anos após a implementação nacional da Lei de Cotas (Lei nº 12.711), a proporção de pessoas pretas ou pardas (que compõem a população negra) cursando o ensino superior em instituições públicas brasileiras chegou a 50,3%. Apesar de ainda serem a minoria em cursos mais concorridos, esse é um feito amplamente comemorado por ter refletido um retrato mais fiel da população brasileira, onde quase 56% se autodeclara negra.
Mercado de trabalho
Movendo a lupa para o mercado de trabalho, um estudo do Instituto Ethos sobre o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas mostrou que em 2016 a participação de pessoas negras era de apenas 34,4% em todo o quadro de colaboradores das empresas analisadas, caindo para 6,3% nos cargos de gerência e 4,7% nos cargos de diretoria executiva.
Esses dados são mais do que suficientes para provar a necessidade e o importante papel que as políticas e ações afirmativas desempenham na aceleração do processo de inclusão e aumento da equidade racial e social. Além disso, no Brasil estas ações têm respaldo legal: em 2018, o Ministério Público do Trabalho publicou uma Nota Técnica sobre a possibilidade de contratação específica de profissionais negros, assim como de anúncios específicos a fim de que seja concretizado o Princípio da Igualdade inscrito na Constituição. Além disso, oferecer oportunidades a profissionais negros e subrepresentados ou minorizados também está de acordo com a Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Portanto, a participação das empresas é crucial para possibilitar os avanços necessários dessa questão.
Expectativa X realidade
Apesar do progresso que foi feito e de pesquisas mostrarem que as ações afirmativas, como as vagas exclusivas, se tornaram cada vez mais aceitas ao longo do tempo e as estatísticas indicarem que elas se mostraram eficazes em alcançar maior diversidade e inclusão, o cenário ainda está longe de ser nivelado. As mulheres continuam ganhando menos que os homens. Os negros continuam apresentando maior taxa de desemprego do que os brancos e metade da renda familiar. Isso prova que ainda temos um grande caminho de evolução para alcançarmos igualdade e equidade de oportunidades, por isso, enquanto estamos no meio dessa jornada, devemos continuar monitorando e trabalhando para melhorar nossa busca por uma sociedade mais humana, igualitária e diversa.
“Todo esse trabalho é necessário se quisermos inspirar mudanças culturais em nossas indústrias, nas perspectivas que estão sendo ouvidas. O período neutro acabou, precisamos do período corajoso. Este trabalho não é sobre perfeição – é sobre humildade, vulnerabilidade e desaprender tanto quanto aprender. Se continuarmos tentando acertar, uma nova temporada de igualdade florescerá”, Vernā Myers, VP de Estratégias de Inclusão no Netflix.
– Jaqueline Mandelli
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